A mulher do vizinho - Fernando Sabino


FernandoSabino foi um escritor brasileiro nascido em Belo Horizonte, Minas Gerais, em 12 de outubro de 1923, e falecido em 11 de outubro de 2004. Ele foi um dos grandes nomes da literatura brasileira do século XX, conhecido principalmente por seus romances, contos e crônicas que retratam o cotidiano com sensibilidade, humor e ironia. Estudou Direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mas nunca exerceu a profissão. Desde cedo, demonstrou talento para a escrita, colaborando com jornais e revistas.Seu primeiro livro, "Os Grilos não Cantam mais", foi publicado em 1941, quando ele tinha apenas 18 anos.

 "A Mulher do Vizinho" é uma crônica que nos convida a refletir sobre como enxergamos o mundo ao nosso redor e sobre a importância de não julgar as pessoas sem conhecê-las verdadeiramente. Através de uma narrativa simples e envolvente, Fernando Sabino nos mostra como a vida cotidiana pode ser repleta de histórias e personagens fascinantes, mesmo nas situações mais comuns e aparentemente banais.O texto explora a ideia de como muitas vezes julgamos as pessoas com base em aparências ou em pequenos detalhes, sem realmente conhecê-las. O narrador reconhece que suas fantasias sobre a mulher do vizinho são apenas isso, fantasias, e que a realidade pode ser muito diferente do que ele imagina.


"A Mulher do Vizinho"- 1960


 Contaram-me que na rua onde mora (ou morava) um conhecido e antipático general de nosso Exército morava (ou mora) também um sueco cujos filhos passavam o dia jogando futebol com bola de meia. Ora, às vezes acontecia cair a bola no carro do general e um dia o general acabou perdendo a paciência, pediu ao delegado do bairro para dar um jeito nos filhos do sueco.  

O delegado resolveu passar uma chamada no homem, e intimou-o a comparecer à delegacia.  

        O sueco era tímido, meio descuidado no vestir e pelo aspecto não parecia ser um importante industrial, dono de grande fábrica de papel (ou coisa parecida), que realmente ele era. Obedecendo a ordem recebida, compareceu em companhia da mulher à delegacia e ouviu calado tudo o que o delegado tinha a dizer-lhe. O delegado tinha a dizer-lhe o seguinte:  

        — O senhor pensa que só porque o deixaram morar neste país pode logo ir fazendo o que quer? Nunca ouviu falar numa coisa chamada AUTORIDADES CONSTITUÍDAS? Não sabe que tem de conhecer as leis do país? Não sabe que existe uma coisa chamada EXÉRCITO BRASILEIRO que o senhor tem de respeitar? Que negócio é este? Então é ir chegando assim sem mais nem menos e fazendo o que bem entende, como se isso aqui fosse casa da sogra? Eu ensino o senhor a cumprir a lei, ali no duro: duralex! Seus filhos são uns moleques e outra vez que eu souber que andaram incomodando o general, vai tudo em cana. Morou? Sei como tratar gringos feito o senhor.  

        Tudo isso com voz pausada, reclinado para trás, sob o olhar de aprovação do escrivão a um canto. O sueco pediu (com delicadeza) licença para se retirar. Foi então que a mulher do sueco interveio:  

 — Era tudo que o senhor tinha a dizer a meu marido?  

        O delegado apenas olhou-a espantado com o atrevimento.  

        — Pois então fique sabendo que eu também sei tratar tipos como o senhor. Meu marido não é gringo nem meus filhos são moleques. Se por acaso incomodaram o general ele que viesse falar comigo, pois o senhor também está nos incomodando. E fique sabendo que sou brasileira, sou prima de um major do Exército, sobrinha de um coronel, E FILHA DE UM GENERAL! Morou?  

        Estarrecido, o delegado só teve forças para engolir em seco e balbuciar humildemente:  

        — Da ativa, minha senhora?  

        E ante a confirmação, voltou-se para o escrivão, erguendo os braços desalentado:  

        — Da ativa, Motinha! Sai dessa… 


Vanessa P. Diniz

Carrego São Luís no meu coração e transmito meus sentimentos por palavras! Seja Bem Vindo!

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